Sentimento doentio de posse domina os agressores de mulheres
Sentimento de posse, ciúme doentio e
machismo. As causas que levam um homem a agredir a companheira são
recorrentes na maioria dos crimes ditos passionais. Na última
sexta-feira, o professor de direito Rendrik Vieira Rodrigues, 35 anos,
matou com três tiros a estudante Suênia Sousa de Farias, 24, com quem
teve um breve relacionamento. Os relatos da família da vítima mostram
que o assassino não aceitava o fim do relacionamento e perseguia a
jovem. Para especialistas, a visão da mulher como objeto e como
propriedade, e a intolerância à frustração são fatores que motivam
homens violentos a matar supostamente por amor.
No caso de Suênia, Rendrik agiu com
frieza e premeditou o crime. Mas há relatos de agressões que ocorrem no
calor de discussões ou que não poupam sequer os filhos do casal — como a
morte de Lilian Maria, 32 anos, assassinada pelo locutor de rádio
Raimundo Benício, 51, no Gama. Os disparos foram feitos na presença de
uma adolescente, filha deles, no mês passado.
A professora do Departamento de
Psicologia Social da Universidade de São Paulo (USP), Sueli Damergian,
conta que o assassinato de Suênia virou tema de debate em uma das aulas
da pós-graduação. “Uma aluna de Brasília levantou a discussão. Vejo
casos cada vez mais recorrentes, mas quem ama não mata. Não considero
que isso seja amor, só pode ser classificado como desejo de posse. Esses
crimes são motivados por um sentimento de arrogância de pessoas que não
aceitam serem frustradas”, comenta.
Sueli classifica os crimes passionais
como um “comportamento da idade da pedra” e afirma que os casos também
são motivados por uma questão cultural, já que a sociedade ainda vê o
homem como “conquistador”. “Em relacionamentos destrutivos e com pouca
afetividade, em que muitas vezes as pessoas se ligam pelo sexo, os
homens não podem ser feridos. Eles fazem de tudo para manter o mito do
homem conquistador. Na visão deles, somente quem conquista poderia
romper com o relacionamento”, explica a professora da USP. “Mas essa é
uma visão equivocada. Antes de mais nada, o amor implica cuidar,
preservar, procurar dar o melhor para o outro”, finaliza Sueli.
A morte da estudante de direito do
UniCeub fez a sociedade lembrar de outros casos bárbaros, que tiveram
grande repercussão. A professora de psicologia da Universidade Católica
de Brasília e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) na área de violência contra mulheres
Flávia Timm cita uma agressão covarde cometida por um bombeiro, como
exemplo do sentimento de posse que leva ao crime. Em 2009, Kleber da
Silva Nascimento, 38 anos, esfaqueou e perfurou os olhos da companheira,
que sobreviveu. “A sociedade machista constrói uma cultura em que o
homem é dominador e acaba refém dessa posição. Para essas pessoas, o fim
de um relacionamento poderia ser rotulado como um fracasso pessoal”,
afirma a psicóloga.
Flávia afirma que, para a maioria das
mulheres, o fim de um relacionamento não representa um motivo de
desespero extremo. “Aquelas que são abandonadas sofrem, mas acabam
procurando outro amor. Mas alguns homens têm um sentimento de dominação e
não aceitam essa situação de abandono. Para eles, amar é dominar, e
ciúme infundado será sempre motivo de brigas constantes”, acrescenta a
especialista.
Agressores – Homens que
agridem as companheiras por ciúmes não podem ser diagnosticados como
portadores de transtornos psiquiátricos. Na maioria dos casos, são
pessoas produtivas, classificadas como normais por colegas de trabalho e
vizinhos. O psicólogo Luiz Henrique Aguiar trabalha como supervisor
clínico de equipes que atendem vítimas e agressores na Secretaria da
Mulher do GDF. Em 2009, ele fez uma dissertação de mestrado com base nos
depoimentos de autores de violência doméstica.
Ele conta que não existe um perfil bem
definido dos agressores. “Eles estão em todas as classes sociais. Muitos
dos crimes e dos casos de violência doméstica estão relacionados a uma
questão cultural, em que o homem tem sentimento de posse. A frase mais
recorrente que ouvimos é ‘se ela não for minha, não será de mais
ninguém’. Isso é consequência de uma falta de habilidade emocional”,
explica Luiz Henrique.
A professora do Departamento de
Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB) Gláucia Ribeiro
conta que o sentimento de propriedade com relação à mulher leva muitos
homens a agir com violência. “Mas ciúme, controle e sentimento de posse
não são amor. É algo doentio, que surge da necessidade de ter domínio
sobre o outro”, comenta Gláucia.
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